Conduzido por sensações parei. Parei para pensar no que sentia. Senti que parei. Deixei de sentir...

sexta-feira, janeiro 28, 2005

Hoje acariciei a resignação...
mas foi uma daquelas carícias a apelar ao desprendimento final de amantes, que sabem não poder amar mais...mas não sentem não sentir mais...
Sorri de costas...

A estátua do anjo sem cabeça continuava no púlpito da verdade...
e as palavras que se ouviam eram beliscões que me intimidavam a pele...
Caminhei sem pés, apenas com as ideias do adeus...

Os eunucos, esses, tocavam trompetas e eu ansiava ser herói do sentimento...pelo menos por um momento...
O anjo finalmente elevava-se sem vontade, temendo a própria liberdade...

E a curiosidade da expressão da reacção encorpava o frémito do medo...sentimento partilhado pelo mensageiro de mau aúgurio...partilha infeliz acalorada com a tristeza comum...

O caminhar em pensamentos foi interrompido pelo iluminar de um busto indefinido, por um sorriso esboçado num tecto de abóbodas sem fim e por um olhar intemporal...o olhar de musa que escreve pelas mãos de homens tristes e cúmplices...de homens como eu...

Acompanhei o voo consumido em luz, enquanto a lágrima, do fim avizinhado, derramava na lentidão da esperança...na esperança de redenção, de salvação e de reinício...
E, assim, provei o seu sabor...sabor de escuridão insalubre que é o meu futuro...

O púlpito jaz escrito palavras de um dono ausente...de uma alma presente nas mãos de homens tristes e cúmplices...

segunda-feira, janeiro 10, 2005

Hesitação

A criatura caminhava por ruas pejadas de pétalas de flores. O aroma do ar era tão denso e agradável que ele conseguia seguir o trajecto mesmo de olhos fechados.
Caminhou durante anos e anos, sem cessar. Caminhou até que um dia, sem que nada o indiciasse, o odor se refreou. O caminho era agora, aqui e ali, despido, de forma a que se conseguia avistar terra suja.
A criatura hesitou e, pela primeira vez, parou.
Não sabia o que fazer e chorou.
As suas lágrimas elevavam-se, voavam e formavam pequenas poças de tristeza no ar.
E ele olhava em frente e via apenas terra.
Pôs-se em bicos dos pés e tentou ver mais longe...mas não conseguia, porque mais além o que via era apenas o prolongamento do monte que voltava a descer na ignorância dos olhos da criatura...
E sentou-se e criou mentalmente cenários possíveis e impossíveis de mundos impossíveis e possíveis e ficou...e ficou durante anos e anos a pensar...sentado...
Até que um dia, levantou-se e voltou para trás...e, à medida que caminhava, o odor começou a intensificar-se gradualmente...mas tudo era confuso na mente da criatura...
Já não estava habituado ao odor forte de um ar que já não era o dele...
Hesitou novamente, por breves momentos...
E cansou-se de hesitar e parar...
Repetiu os passos de anos anteriores até atingir novamente o ponto onde a terra engolia as pétalas...
Refreou a velocidade do seu passo ligeiramente, consumindo a coragem dos passos que estariam para vir...e caminhou...cheirou a terra...cheirou a vida...e a curiosidade do que estava para além do monte foi sendo combatida com o desvendar dos mundos agora possíveis...antes impossíveis pela hesitação...

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