Conduzido por sensações parei. Parei para pensar no que sentia. Senti que parei. Deixei de sentir...

quinta-feira, agosto 25, 2005

soprei um balão e fiz uma prisão...
onde aprisionei os meus bolsos que tentavam fugir...
depois ofereci a cada cabelo uma casca de caracol e deixei-os viajar...
engoli uma pastilha elástica e fiz um balão que me levou a flutuar...
a brisa pediu-me emprestado os sapatos e eu o poder de dirigir o ar...

pouco depois, meio arrependido, voltei para libertar os tristes bolsos...
as suas lágrimas assumiam a forma de meias...
decidi oferecer estas às bolhas dos pés da brisa...
ao que ela me retribuiu com uma nuvem perfeitamente lisa...

na nuvem construí uma casa e na casa um jardim...
e concedi aos bolsos o mester da jardinagem...
e eu dediquei-me à caça...

As tempestades eram os únicos animais da savana circundante...
e, por isso, desmotivei-me..
desci ao cume do anapurna...
e vi o monge laranja a comer neve...
como não gostava da cor, pintei-lhe as vestes...

Continuei a descer e dialoguei com um bago de arroz...
à conversa juntou-se as bolhas da brisa...
convidei-os aos dois a conhecer o alibábá...
mas para tal necessitávamos de um tapete...

Ninguém tecia tão bem como a agulha espadaúda...
dirigimo-nos a ela e apesar da dificuldade...
ela nunca desistia de uma boa luta...

alguns dias e poucas noites depois o tapete estava pronto...
o tecido era de fruta...
voámos todos os quatro em busca da gruta...

Quando chegámos o popas veio-nos saudar...
o dumbo rodeou-nos curioso...
e até o feiticeiro de oz nos quis cumprimentar...
seguimos e bem à nossa frente...
a porta que se ergueu não nos queria deixar passar...

em coro cantámos...

abre-te sésamo...
e a porta abriu...
mas enquanto o fazia repondeu em unissono...

o interior é fel quando tens ódio...
o interior é mel quando tens amor...
o interior és tu quando tens pavor...

o bago de arroz retraiu-se...
as bolhas acobardaram-se...
e até a agulha hesitou...
quanto a mim...
entrei...sem pestanejar...
porque pior que pavor é medo sem sabor...

lá dentro estavam as meias...e em redor, o tesouro esculpido em folhas...
as cigarras tocavam e os meus cabelos soletravam as letras desta história...
desta história tecida em sonhos e pintada por tolos....

terça-feira, agosto 23, 2005

Não é que seja parco no sentir ou alegre na solidão...
mas hoje decidi vendar os pés e deixá-los ir...
deixei a mente assobiar na cúmplicidade perversa do caminhar...
e inalei palavras de liberdade escritas num arcanjo livre...
soprei velas de aniversários que não vivi...
e afaguei a alma com os paninhos quentes da ilusão tornada viva...
peguei na vassoura de nome esquecimento e limpei a memória...
cuspi ao ar o arrependimento...
e deixei a brisa lidar com o remorso...
abri a alma e retirei-lhe os espirais do intemporal congénito...
alisei moléculas e estendi sinapses ao sol...
conquistei a fotossintese e dei os dedos de conversa às plantas...
subi ao monte calvo e cultivei-lhe poesia...
li aos cactos expectante pelas pétalas cheias...
alterei as necessidades básicas e adicionei-lhes adjectivos...
comi pronomes e corgitei imperativos...
que dei aos pássaros de asas independentes...
finalmente limei as minhas asas e voei em busca de um verbo...
de uma palavra tão simples e perfeita...
como a palavra amar...

Não é que seja parco no sentir ou alegre na solidão...
mas hoje decidi consentir-me viver...

quinta-feira, agosto 11, 2005

conheci-te noite fiel...
enquanto empilhava as palavras, que a minha sede de sentidos trauteava...
enquanto as colava com vinho de sangue...
enquanto sangrava lágrimas escorridas entre as ruas da incerteza...
e foi nesse dia que te li os sentimentos embriagados...
e que soube o que virias a sentir com a ausência do ninguém...
e, então, aluguei à hora uma alma...
pagando-a com cada pulsação de vida...
cujos versos desritmados cansavam o tom de vulto...

conheci-te noite fiel...
e devolvi o corpo ao cabide do pó, lambendo os rastos húmidos da memória...
depois, colhi as sementes de paz, não lhes concedendo o tempo da maturidade...
e trepei as paredes sujas do futuro,
abandonando o chão fétido do passado, coberto pelo tapete da amnésia...

conheci-te noite fiel...
e cantei à lua cheia o vazio da minha voz...
atei as veias, usando-as como cordas, e trepei até ao cume da ilusão...
e bem lá no topo, bem perto de ti, aprisionado aos calabouços de morte, gritei bem alto...

conheço-te noite infiel...

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