Conduzido por sensações parei. Parei para pensar no que sentia. Senti que parei. Deixei de sentir...

domingo, outubro 17, 2010

Isabel era uma criatura bicéfala, não porque ostentasse duas cabeças como o nome o sugere, mas porque tinha disturbio bipolar. De hiper sensível relativamente ao meio que a rodeava, facilmente passava a destrutiva com uma incontrolável sede por violência. Num desses estados menos apelativos socialmente, cravou os dente...s caninos numa professora quando tinha apenas 20 anos, e foi internada num... bordel.
Lá desaprendeu toda a moralidade imposta pela madrasta e o único ponto comum entre aprendizagem e desaprendizagem era a brutalidade como ambas lhe tinham sido impostas. Violência era duas faces de uma moeda que ela mantinha no bolso de um coração oprimido.
Apenas um dos clientes se mantinha fiel aos inconstantes assomos de Isabel, não por bizarria ou luxuria, mas por amor. Eduardo gastava o seu lacónico salário mensal no bordel, raramente envolvendo-se carnalmente com a fornecedora forçada de serviços, mas nada neste mundo o demoveria de tal comportamento.
às 17:30h Eduardo picava o ponto, retirava a bata, cujos bolsos pesavam balas de calibre 52 mm e seguia para casa às segundas, tinha aulas de braile às terças, encontrava-se com Isabel às quartas, às quintas praticava retenção da respiração num poço escondido num quintal abandonado e às sextas rezava na montanha pela alma da amada...
O acto de rezar pesava em verdadeira crença, quando Eduardo pisava um degrau superior da pirâmide etária, quando o seu relógio biológico disparava o alarme que indicava que não era eterno, quando Isabel levava uma vida que enfunava qualquer manual sagrado...
Ajoelhar-se era actividade referida no diário, repetida em cada página, sem jejum. Um deus limpo, sem mácula, descrito complexamente no guião divino elaborado por mentores iluminados, em perfeita dessincronizaçao com o deus em que Isabel acreditava e que visualizava nos seus labirintos existenciais. Era o minotauro da cognição que, ao invés de a ajudar, criava-lhe obstáculos intransponíveis...
O relógio de parede, barulhento de 60 em 60 minutos, gemia 6 vezes. Eram 6 horas da manhã e Isabel recortava modelos de várias revistas de moda esventradas no chão frio do quarto que partilhava com Emille Sardonette, uma devota prostituta de coração.
Eduardo levitava. Nublava a voz, tornando-a roca, à medida que a mente estendia asas e elevava-se transpondo o tecto do autocarro que transportava o corpo a casa. Sentia o ventre apertado, os pulmões comprimidos derivados da vertigem, mas era o sentimento que tornava real, que o tornava irreal. Conseguia ver a luz esbater nas copas, nos troncos, nos semaforos, nas casas, nos humanos distantes. A separação com o social tornava-o mais humano.
Acima das nuvens, girava lentamente, ao sabor do uivo de um vento frio que enrijecia a pele e a alma. Mantinha-se ali, suspenso, a enriquecer, a fortalecer-se para o combate diário 1000 metros mais abaixo.
Uma campainha pavlovliana impunha a sua presença e Eduardo abandonava o autocarro, caminhava por entre predios negros que descaívam quase roçando o seu escalpe, gaivotas que pousavam em alguidares que boiavam nas aguas de Tir, transeuntes cinzentos e hienas que atacavam crianças abandonadas.
E, numa das noites de qiunta, mentalmente equipado para suster a respiração no poço, encontrou Isabel, fora de 4 paredes. Reteve instintivamente a respiração e manteve-a, pulsando as orelhas, durante o tempo suficiente para Isabel atravessar a rua, ignorando a sua presença do lado oposto, apanhar a mala que havia deixado cair, comprar meia dúzia de castanhas, desmembrar uma e mastigá-la calmamente, e tocar com a ponta do pé direito o parapeito do passeio.
Não ousou revelar-se a Isabel, mas a inoperância em reagir trouxe-a tão próxima que seria impossível evitar a interacção. Sentimentos esbugalhados foram os que Eduardo projectou, atiçando a dualidade de critérios que só uma duplicidade de personalidade poderiam demonstrar. O monólogo dialoguisado era o retirar de pétala a pétala da flor da paixão. Amo-o, Não o amo, Amo-o, Não o amo, Eduardo é uma boa pessoa que te ama, Larga esse tipo...
O que define a minha escrita é a forma de me mostrar ao mundo...completamente tapado!
São penas coladas pela ambição que me fazem voar, tocar o cume do céu e rasgá-lo ao meio, dobrá-lo em dois, redobrá-lo por várias vezes para criar um cisne azul que boia numa galáxia que é lago sem fundo...
Kites pontuam o ceu dando sentido as historias que os velhos procuram em memorias apagadas pelo sofrimento...Os cordeis sao feitos de curiosidade que os miudos manipulam de faces atentas ao divino, procurando elevar sentimentos...Vento e redencao que nao sopra e sol e verdade que nao ilumina num crocodilo que mais uma vez devora um povo...
Foi o violino cuja flatulencia aterrorizou o J. e o fez saltar de um telhado ondulado por telhas laranja. Saltou de cabeca para baixo e aterrou como um persa, de garras vincadas no galho mais baixo da arvore antipoda da outra que nascera no deserto onde o alibaba se deleitava junto a um riacho de ouro. Tanto o paraboli...zado como o alibaba tinham algo em comum...nao serem reais!
Mas isso pouco os abalava. Enquanto criancas eram gozados pelos imberbes, alguns de cariz homunculal, outros de imaturidade exacerbada que se colava a pele e nao envelhecia e mesmo pelos adultos, cuja idade tecnica superior a 18 anos nao fazia juz aos seus comportamentos.
Gritavam-lhes nomes, tais como "ser irreal", "es uma fabula" e outros horrendos substantivos ou adjectivos que coleccionavam na parte do cerebro denominada de odiarberelo.
Se o narrador nao se identificasse com tais soberbas juvenis, dificilmente conseguiria documentar os insultos a flor da pele. Mas este, o que redige as palavras que tu agora les, era tambem um preterido social, devido ao exagerado recurso a poderes especiais que a mae natureza lhe atribuira...
A vida plagia os sentimentos da pior maneira possivel, revelando um paralelismo perfeito...e é nessa perfeição que reside a não tangência, basilar lógico da maximização da existência humana...somos nós umas pretuberâncias, curvas sujas pela vivência social, tentando contentarmo-nos com os Pareto, os second bests que a vida, a falsa plagiadora, nos oferece...
Puxo os cabelos do sol e crio novelos que são planetas...calco o universo com dedos de criança e produzo vermes intemporais que me engolem num big bang de conhecimento infinito, traçado num círculo que espiraliza até se diluir no nada...e lá, algures perdido, à procura de algo, encontro a verdadeira essência da vida...

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