Conduzido por sensações parei. Parei para pensar no que sentia. Senti que parei. Deixei de sentir...

sexta-feira, outubro 21, 2005

Desenhei a cores de fogo no céu bafiento de tarde meia...
Pinceladas de ilusão...
Esperançado que o sonho caisse na minha longa teia...
ateei rastilhos de pinceis que se elevaram numa forte explosão...
artificios de luz e cor...
e muita confusão...

As vendas do sono tiraram-me a visão...
nove horas depois a lua pariu um sol...
e eu uma recordação...
que me prendeu a memória como um anzol...

Vi-a distintamente...
instintivamente...
ainda deitada...antes da partida lembrada...
e da palavra de adeus por ela soletrada...

a face iluminada...
espartilhada em telas...
que ela erguia na minha solidão...
era, pelos meus olhos, intimamente acariciada...

dobrei o desânimo em dois e e construí um avião...
deixei-me flutuar sem sabor...
até que o paladar me devolveu ambição...
o odor soprou a vertigem...
que se esvaiu pelas veias da minha perdição...

de olhos bem abertos, escondidos pelas pálpebras densas...
o sonho, de género masculino, ecoou no meu coração sinais de aterna feminilidade...
e as cores de fogo no céu bafiento de outra tarde meia...
eram a minha própria teia...

segunda-feira, setembro 05, 2005

há bocado, abri a jaula do sorriso...
deixei-o elevar-se e transformar-se na gargalhada,
que me prendeu o siso...
depois, acedi e prometi latir aos gatos e miar aos pombos...
falar aos cactos e regar os troncos...

há bocado, esculpi claves de luz que iluminaram a música...
soprei tons de longos vestidos de notas com as suas túnicas...
calcei acordes e deixei os atacadores soltos...
e deambulei de forma única...

há bocado, caminhei pela estrada de espuma das ondas...
segui entre tochas acesas...
e cantei às conchas...
depois espreitei as profundezas...
e dancei com algas e nadei com lontras...

há bocado, abri embalagens de desejos frescos...
matei a fome com pauzinhos chineses...
suspirando por vezes...
depois, meti os olhos na maquina de lavar...
deixei-os torcer e contorcer...
virar e revirar...
lavados, deixei-os pingar as imagens que tinha guardado...

há bocado, decidi escrever as palavras que tu lês...
hesitei uma vez...
bem, talvez duas ou três...
a verdade é que se estás aqui é porque as vês...

quinta-feira, agosto 25, 2005

soprei um balão e fiz uma prisão...
onde aprisionei os meus bolsos que tentavam fugir...
depois ofereci a cada cabelo uma casca de caracol e deixei-os viajar...
engoli uma pastilha elástica e fiz um balão que me levou a flutuar...
a brisa pediu-me emprestado os sapatos e eu o poder de dirigir o ar...

pouco depois, meio arrependido, voltei para libertar os tristes bolsos...
as suas lágrimas assumiam a forma de meias...
decidi oferecer estas às bolhas dos pés da brisa...
ao que ela me retribuiu com uma nuvem perfeitamente lisa...

na nuvem construí uma casa e na casa um jardim...
e concedi aos bolsos o mester da jardinagem...
e eu dediquei-me à caça...

As tempestades eram os únicos animais da savana circundante...
e, por isso, desmotivei-me..
desci ao cume do anapurna...
e vi o monge laranja a comer neve...
como não gostava da cor, pintei-lhe as vestes...

Continuei a descer e dialoguei com um bago de arroz...
à conversa juntou-se as bolhas da brisa...
convidei-os aos dois a conhecer o alibábá...
mas para tal necessitávamos de um tapete...

Ninguém tecia tão bem como a agulha espadaúda...
dirigimo-nos a ela e apesar da dificuldade...
ela nunca desistia de uma boa luta...

alguns dias e poucas noites depois o tapete estava pronto...
o tecido era de fruta...
voámos todos os quatro em busca da gruta...

Quando chegámos o popas veio-nos saudar...
o dumbo rodeou-nos curioso...
e até o feiticeiro de oz nos quis cumprimentar...
seguimos e bem à nossa frente...
a porta que se ergueu não nos queria deixar passar...

em coro cantámos...

abre-te sésamo...
e a porta abriu...
mas enquanto o fazia repondeu em unissono...

o interior é fel quando tens ódio...
o interior é mel quando tens amor...
o interior és tu quando tens pavor...

o bago de arroz retraiu-se...
as bolhas acobardaram-se...
e até a agulha hesitou...
quanto a mim...
entrei...sem pestanejar...
porque pior que pavor é medo sem sabor...

lá dentro estavam as meias...e em redor, o tesouro esculpido em folhas...
as cigarras tocavam e os meus cabelos soletravam as letras desta história...
desta história tecida em sonhos e pintada por tolos....

terça-feira, agosto 23, 2005

Não é que seja parco no sentir ou alegre na solidão...
mas hoje decidi vendar os pés e deixá-los ir...
deixei a mente assobiar na cúmplicidade perversa do caminhar...
e inalei palavras de liberdade escritas num arcanjo livre...
soprei velas de aniversários que não vivi...
e afaguei a alma com os paninhos quentes da ilusão tornada viva...
peguei na vassoura de nome esquecimento e limpei a memória...
cuspi ao ar o arrependimento...
e deixei a brisa lidar com o remorso...
abri a alma e retirei-lhe os espirais do intemporal congénito...
alisei moléculas e estendi sinapses ao sol...
conquistei a fotossintese e dei os dedos de conversa às plantas...
subi ao monte calvo e cultivei-lhe poesia...
li aos cactos expectante pelas pétalas cheias...
alterei as necessidades básicas e adicionei-lhes adjectivos...
comi pronomes e corgitei imperativos...
que dei aos pássaros de asas independentes...
finalmente limei as minhas asas e voei em busca de um verbo...
de uma palavra tão simples e perfeita...
como a palavra amar...

Não é que seja parco no sentir ou alegre na solidão...
mas hoje decidi consentir-me viver...

quinta-feira, agosto 11, 2005

conheci-te noite fiel...
enquanto empilhava as palavras, que a minha sede de sentidos trauteava...
enquanto as colava com vinho de sangue...
enquanto sangrava lágrimas escorridas entre as ruas da incerteza...
e foi nesse dia que te li os sentimentos embriagados...
e que soube o que virias a sentir com a ausência do ninguém...
e, então, aluguei à hora uma alma...
pagando-a com cada pulsação de vida...
cujos versos desritmados cansavam o tom de vulto...

conheci-te noite fiel...
e devolvi o corpo ao cabide do pó, lambendo os rastos húmidos da memória...
depois, colhi as sementes de paz, não lhes concedendo o tempo da maturidade...
e trepei as paredes sujas do futuro,
abandonando o chão fétido do passado, coberto pelo tapete da amnésia...

conheci-te noite fiel...
e cantei à lua cheia o vazio da minha voz...
atei as veias, usando-as como cordas, e trepei até ao cume da ilusão...
e bem lá no topo, bem perto de ti, aprisionado aos calabouços de morte, gritei bem alto...

conheço-te noite infiel...

terça-feira, julho 26, 2005

Se o dia de hoje contar o segredo, que ouviu do ontem, ao amanha
talvez este fique na duvida em ser aquilo que é...
ter os numeros da felicidade antes da taluda da vida existir é como ter a poção da vida eterna sem antes se ter vivido...
é como soprar sem se ter o balão...
como cantar sem som...
e como mostrar amor sem amar...

Se o dia de amanhã ambicionar ser o ontém
talvez o hoje seja o impasse concedido pelo saudosismo...
a inércia de um saber precipitado...
um ciclo terminado...
um antecipar de algo que passou...
algo que resultou...

Se o dia de ontém murmurou as palavras ao hoje
talvez o amanhã se arrependa de as ter escutado...
mas o ontém, absorto na felicidade, rega os outros de ansiedade...
dá-lhes a esperança de tranquilidade...
e afoga-os na ingenuidade...de que o dia se repete
de que o dia se funde num ontém, num hoje e num triste amanhã

domingo, maio 15, 2005

Pegadas

piso as pegadas, que tu traças no solo, acreditando que seguindo-as, rumo à terra de nome felicidade...
Vejo pequenas flores brancas, que brotam em redor dos teus pés...pequenos pássaros verdes que, cantando, marcam o ritmo do nosso caminhar...
folhas, que se precipitam de bem alto, renunciando à longevidade, na ânsia de um vislumbre de ti, de um vislumbre de eterna cumplicidade...

Sigo-te na vontade, cego em amor, iluminado em esperança...
Na esperança que, um dia, o horizonte me presenteie a mesma visão que o meu sorriso adivinha...
E, antecipando o momento com a satisfação da resignação da marcha, respiro uma total confiança...

Os meus olhos fechados imaginam edificios erigidos sobre um coração firme, cidades em harmonia, cimentadas em sentimentos de paz e em sonhos pintados em telas tridimensionais...
E as tintas caleidoscópicas, que vão preenchendo as lacunas da incerteza, constroem as cores do nosso futuro...
Esboçam, através da luz do nosso mútuo sentimento, a casa da nossa relação...
Esboçam as janelas, as paredes e os sempre abertos portais...

Porque a felicidade alicerça-se na esperança, algures na terra da felicidade, pintada em cores de sonho e de eterno pensamento de um amanhã a dois...

sexta-feira, fevereiro 25, 2005

Salvo erro...

Por amor do Superior que, omnipresentemente, está também no Inferior...
Por amor da verdade, salvo o erro com a bóia da passividade...
Por amor ao amor, desprimo a verdadeira realidade...

Por amor aos outros, abraço as palavras ocas...
Por amor à companhia, aceito as ideias vãs...
Por amor a ela, grito as disconexas rimas loucas...
Por amor aos loucos, imagino-os doutos de batinas sãs...

Por amor à vida, recuso-me a pronunciar morte...
Por amor aos mortos, deixo-os viver para além da vida...
Por amor à memória, esqueço-me dos momentos de má sorte...
Por amor ao destino, entrego a minha mão para ser lida...

Por amor à escrita, ignoro os sentimentos puros...
Por amor à ignorância, salvo eu, este erro da filosofia...
Por amor à sanidade, ergo finalmente barreiras e muros...
Por amor a mim, não posso deixar de escrever a minha poesia...

quinta-feira, fevereiro 24, 2005

A raiva contida constrói dois mundos e um outro, que giram sobre um sentimento apaziguador, que inspira a paz utópica de uma tartaruga mítica, que suporta uma galáxia...
E uma emissão de alegria contagia os 100 anos luz que distinguem as cores de dois quartos incomuns, num sistema universal...mas a frequência oscila entre as ondas do mar revolto, que procura a destruição contra as rochas da terra do velho Lavoisier...e perde-se no fumo da comunicação, que se recicla em intermináveis chuvas de esperança, que alimentam as folhas dos livros que o rapaz, algures no cosmos ainda aceso, lê...
E lê sobre vermes intemporais que engolem a memória e o esquecimento, e lê sobre heróis que superam o espaço e o tempo, sobre estrelas que viajam e partilham o tempo...E sobre o que o rodeia, romantizado pelo mítico substantivo de nome 'mentira'...que se ergue primeiro do que a palavra, e antes do verbo...que surge sem bater à porta da humanidade...que invade o nosso espaço e tempo...e que faz com que o pequeno rapaz aprenda a odiar...e a sua raiva contida constrói dois mundos e um outro, que giram sobre um sentimento apaziguador, que inspira a paz utópica de uma tartaruga mítica, que suporta uma galáxia...

sexta-feira, janeiro 28, 2005

Hoje acariciei a resignação...
mas foi uma daquelas carícias a apelar ao desprendimento final de amantes, que sabem não poder amar mais...mas não sentem não sentir mais...
Sorri de costas...

A estátua do anjo sem cabeça continuava no púlpito da verdade...
e as palavras que se ouviam eram beliscões que me intimidavam a pele...
Caminhei sem pés, apenas com as ideias do adeus...

Os eunucos, esses, tocavam trompetas e eu ansiava ser herói do sentimento...pelo menos por um momento...
O anjo finalmente elevava-se sem vontade, temendo a própria liberdade...

E a curiosidade da expressão da reacção encorpava o frémito do medo...sentimento partilhado pelo mensageiro de mau aúgurio...partilha infeliz acalorada com a tristeza comum...

O caminhar em pensamentos foi interrompido pelo iluminar de um busto indefinido, por um sorriso esboçado num tecto de abóbodas sem fim e por um olhar intemporal...o olhar de musa que escreve pelas mãos de homens tristes e cúmplices...de homens como eu...

Acompanhei o voo consumido em luz, enquanto a lágrima, do fim avizinhado, derramava na lentidão da esperança...na esperança de redenção, de salvação e de reinício...
E, assim, provei o seu sabor...sabor de escuridão insalubre que é o meu futuro...

O púlpito jaz escrito palavras de um dono ausente...de uma alma presente nas mãos de homens tristes e cúmplices...

segunda-feira, janeiro 10, 2005

Hesitação

A criatura caminhava por ruas pejadas de pétalas de flores. O aroma do ar era tão denso e agradável que ele conseguia seguir o trajecto mesmo de olhos fechados.
Caminhou durante anos e anos, sem cessar. Caminhou até que um dia, sem que nada o indiciasse, o odor se refreou. O caminho era agora, aqui e ali, despido, de forma a que se conseguia avistar terra suja.
A criatura hesitou e, pela primeira vez, parou.
Não sabia o que fazer e chorou.
As suas lágrimas elevavam-se, voavam e formavam pequenas poças de tristeza no ar.
E ele olhava em frente e via apenas terra.
Pôs-se em bicos dos pés e tentou ver mais longe...mas não conseguia, porque mais além o que via era apenas o prolongamento do monte que voltava a descer na ignorância dos olhos da criatura...
E sentou-se e criou mentalmente cenários possíveis e impossíveis de mundos impossíveis e possíveis e ficou...e ficou durante anos e anos a pensar...sentado...
Até que um dia, levantou-se e voltou para trás...e, à medida que caminhava, o odor começou a intensificar-se gradualmente...mas tudo era confuso na mente da criatura...
Já não estava habituado ao odor forte de um ar que já não era o dele...
Hesitou novamente, por breves momentos...
E cansou-se de hesitar e parar...
Repetiu os passos de anos anteriores até atingir novamente o ponto onde a terra engolia as pétalas...
Refreou a velocidade do seu passo ligeiramente, consumindo a coragem dos passos que estariam para vir...e caminhou...cheirou a terra...cheirou a vida...e a curiosidade do que estava para além do monte foi sendo combatida com o desvendar dos mundos agora possíveis...antes impossíveis pela hesitação...

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