Conduzido por sensações parei. Parei para pensar no que sentia. Senti que parei. Deixei de sentir...

quarta-feira, janeiro 14, 2004

Sonhos Partilhados

Os meus olhos tocam e acariciam a tua pele nua, macia e clara como nuvens espremidas...
passeio-me pelas formas que a luz, absorta na tua beleza, vai desenhando...
e, como artista, que utiliza como único modelo os sentimentos, aprecio a harmonia e procuro rupturas, mas a procura é a própria ruptura do olhar...
e então desisto, e contemplo a parede cinza da minha sala de estar e o que vejo és tu...ainda tu...a sorrir !!
e o retribuir desse sorriso sai-me de forma natural, mas sem peso, e então coro e choro e logo viro a face, com medo, mas sem motivo porque me pegas pelos braços com cordéis de palavras tecidas em sonhos, que ambos partilhámos...
e fazes-me mover e ter-te nos braços e, então, tudo o resto desaparece em triviais viagens para um espaço limitado em ideias, finito em espírito...porque o que sobra é o infinito de sonhos por nós partilhados...
O sol e o seixo cor de púrpura

Lá ao fundo, as ondas comunicam por habilidosas formas desenhadas em espuma salgada, branca e aveludada…pela expressividade quase musical com que estas formas assumem no ponto mais elevado delas…e pela cadência trabalhada com que estas descem a pique contra a areia profunda…
São quase sempre monólogos sobre o sal que lhes dá a beleza, sobre a vida que arrastam, e que transportam nas suas longas e distantes viagens, sobre as suas esmeradas capacidades artísticas de moldarem as rochas, deixando para trás as suas eloquentes assinaturas...assinaturas em forma de declarações de amor ao vasto oceano, de que elas também fazem parte…

Entretanto, cá mais perto da praia, nos limites entre as orgulhosas ondas e a terra pintada de água, algumas delas irritam-se com a areia que lhes entra nos olhos…e, ao tentarem expelir esses grãos impertinentes, que as mantêm cegas, batem com violência contra rochas e contra os restantes grãos de areia...e, quanto mais forte batem, mais confusas são as palavras, mais caótica a cadência, mais difuso o sentido…
as ondas mais atrasadas assumem esta confusão, esta cegueira de sentidos, como uma declaração de guerra…uma disputa de território…uma prepotência que não estão dispostas a tolerar…uma tentativa de desferir um golpe profundo no seu orgulho...

Sentado, algures no pontão, observo as ondas gigantes, eriçadas, irritadas a debaterem-se com as pequenas partículas de areia…

Mais atrás, as demais ondas, feridas no seu orgulho, preparadas a mostrar o que valem, a quem lhes arruinou a calmaria daquele por do sol, assumem posições de ataque…entram em debandada contra as posições das primeiras…acotovelam-se e mostram-lhes do que são capazes…chicoteiam as rochas, arrastam enormes porções de areia consigo, libertam a espuma da raiva, gritam bem alto o quão poderosas conseguem ser…

O som de fúria e o movimento hostil destas entristece o sol, que se entretinha a observar delicadamente um pequeno seixo púrpura que lhe sorria…que lhe cantava canções de maresia, que lhe contava histórias de marés, que lhe segredava paixões entre correntes marítimas…

Um seixo, que atrevidamente se apaixonava pelo calor que o sol libertava…pela cor de um sol, que brilhando alto, corava com as canções, com as histórias, com os segredos partilhados…pelo seixo apaixonadamente contados…

A meio de uma canção de amor, entre um cavalo-marinho e um líquen dourado, as suas palavras foram arrancadas de forma violenta, o seu corpo usurpado, a sua música saqueada pelo som mais forte e pela fúria intempestiva de uma das ondas, que o arrastou consigo…que o engoliu e o conduziu para as entranhas de um oceano frio e escuro…longe do calor de um sol atento e luminoso…

O sol, não o encontrando, não sentindo o seu sorriso, não ouvindo a sua melodiosa voz, não sentindo mais a sua leve presença…decide fechar o véu, que o vai encobrindo, aos poucos…aos poucos, puxa o véu cinzento e negro, um véu coberto aqui e ali por réstias de algodão branco que teimosamente mantêm as formas das imagens apaixonadas das histórias do seixo cor de púrpura…e, embora o véu se feche quase por completo, continuamos a ver o sol…um sol triste, sozinho a abandonar aos poucos o local onde, outrora, um seixo e um sol falavam…

As nuvens, que assistiam ao romance e que se entretinham a esboçar as histórias, que ouviam, no céu azul, e que por isso haviam conquistado a amizade do sol, choram agora a sua despedida…choram violentamente…

Mas as ondas, absortas da carícia triste das nuvens e ainda enfunadas de orgulho, continuam no seu jogo mesquinho de posições...a mostrarem a todos e a ninguém a sua vaidade, a sua prepotência…alheadas da pouca luz…alheadas da escuridão que engole o céu…alheadas da destruição de sentimentos…

Até ao momento em que o cansaço se sobrepõe…e aos poucos se acalmam…e se esquecem da causa de tanta fúria…vencidas por si mesmas…acalmam como se nada se tivesse passado…felizes novamente brincam entre si…entre si e entre os demais elementos marinhos…

As gaivotas, tais ardinas da tristeza do dia anterior, aproximam-se para contar a todos a história de amor de um seixo cor de púrpura e de um sol que continua sempre a rodar, sobre uma esfera azul e verde, à procura do seu amor…
E será por todas ou por nenhuma razão que amor rima com dor...?

E será estranho quando as palavras seguem o sentido inverso dos sentidos?
E serei eu audaz quando me ergo e gemo monossílabos de dor quando o que deveria fazer seria...entre dentes e lençóis...expelir arrepios de amor?

E terei eu a coragem de assumir o inevitável destino de toda e qualquer volta no carrossel da vida? De compreender o determinismo implícito nas inexplicáveis acções que empreendo e que me causam insónias sofridas?

Ou deverei eu agir por cima de palavras, em palmas de mão lidas?
Poderei eu um dia usurpar a caneta que desenha a vida?
Poder tecer caminhos e emaranhados distorcendo a palavra desígnio?
Mudar conceitos...Torná-lo talvez em simples bebidas...
Ou em empresas falidas?
Ou ainda em feridas lambidas?
Conceitos e sons...
gemidos e latidos...
Misturem tudo e façam nutritivos batidos...

Desçam aos pés e instruam-nos a caminhar...
Subam aos cabelos e ensinem-nos a pentear...
Mantenham a meio e ensinem o corpo a amar...

Mas gritem bem alto e acreditem bem fundo...
Que por nenhuma razão amor rimará com dor!
Toco levemente pequenos sonhos com a ponta da esperança...
distraio-me com os ténues e atractivos sons que eles exalam...distraio-me com os aromas de paz que me aquecem a alma...e deixo-me conduzir puxado por braços longos...por braços manipuladores que me esboçam vontades...que me intitulam a existência...que me gravam passados, bem passados na memória...que me segredam futuros grandiosos...e que me fazem esquecer momentos presentes...

fecho os olhos aos poucos e, com o sorriso apagado, ilumino a estrada, que se desenha à minha frente...a estrada de um futuro, caminhada no presente...
por vales, vejo montanhas e por montanhas, vales de ideias...
montanhas de sentimentos, que se acumulam sem palavras...
vales de palavras sem sentimentos...
Lá em cima, um céu transparente, em decepções pesadas e amargas, brota pequenas flores perfeitas...
tão perfeitas como a ausência de vida, que se ergue lentamente à minha frente e me clama...me chama...me desafia novamente ao esquecimento...
com palavras, ainda doces, de lábios grossos e negros, que precipitam pequenas flores vermelhas...
pequenas flores que gravitam, dançando à volta da minha existência, da alma ainda aquecida pelo engano...anestesiada e cirurgicamente usurpada...
pequenas flores que, ao tocarem a minha pele nua, queimam a minha vontade...chupam a minha verdade...limpam a minha liberdade...
e as pétalas, agora partidas, desmembradas, dilaceradas...pintam o leito onde a minha alma jaz viva...algures perto dos sonhos.

sexta-feira, janeiro 09, 2004

Ecrã

O meu queixo ergue-se…os meus olhos procuram algo…algo escrito num ecrã cinzento…
Algo que me faça acreditar…algo que me inspire a viver…
Procuro em vão palavras de consolo…palavras de esperança…
De perdão…de motivação…de redenção…
Mas em vão olho…em vão sobrecarrego as pálpebras…a mais uma vez se erguerem…
Para dar espaço aos meus olhos…dar-lhes espaço para nada encontrarem…

Os olhos procuram, mas as lágrimas fecham as cortinas da esperança…
Cessam a busca e concentram-se na fonte…na escrita…
Mas quem escreve…quem ousa continuar…quem tece letras, palavras, frases de vida…sou eu…apenas eu…
e com estes dedos dormentes…feridos…calejados…que não ousam continuar a ter uso…que não ousam arriscar novas historias…
só me resta desligar o ecrã e…descansar…eternamente…
O peixe e a lua

Um dia, tentando alcançar o céu um peixe emergiu do lago cor de lua...
com o apoio das rãs douradas, que lhe construiram uma bolha suficientemente grande para as dimensoes do seu corpo e suficientemente forte para suportar o seu peso e a sua estrutura agressiva de escamas, ele foi capaz de levantar voo...de levitar por cima dos prados contíguos ao lago, e de ver os pássaros lilases a passarem rente à bolha com o objectivo de controlarem o rumo de seu voo...
a lua parecia cada vez mais próxima e o lago cada vez mais distante...e o chilrear dos passaros a única ligação que ele agora tinha com a realidade de outrora...mas os seus olhos sorriam cada vez mais porque os pequenos pormenores da sua lua eram-lhe familiares, apesar da descoberta...e aos poucos e poucos o silêncio surgiu como manta negra recheada aqui e ali por pequenos pontos luminosos...mas a sua mente fervilhava de ideias que cantavam à lua e os seus olhos transpiravam os sentimentos do seu coração...
...os sentimentos que nasceram num primeiro olhar e que evoluiram com um voo de
descobertas...
A colina e a Lua

uma colina ao longe...
consigo vê-la com alguma dificuldade, pela transparência do meu cortinado velho...
o livro, que tenho aberto encostado ao peito, enquanto o meu corpo preguiçoso se anicha no sofá confortável do meu quarto, protesta pelas palavras que não foram lidas...mas as minhas pálpebras desculpam-se com o cansaço, e os meus olhos com a necessidade de imaginar essas mesma palavras escritas numa colina algures...algures por detrás do cortinado...
lá fora, um mocho convida-me a dar o passo para o sonho...para o real imaginado...para as palavras escritas em livros de fantasia...e deixo-me levar aos poucos , contemplando uma lua que vai perdendo luz com o fechar dos meus olhos...
o som do uivo das árvores lá fora exprime essas mesmas palavras, que vou decifrando, enquanto me deixo transportar...
mais uma vez, abro os olhos contra a vontade das minhas pálpebras e consigo ver de novo a colina...mas agora dourada, e a lua...agora sem cor...uma lua que derramou todo o seu mel, tal qual recipiente, sobre uma colina sedenta de luz...
Arco-íris

Sombras pequenas de pedrinhas ainda mais pequenas. Páro e olho...e vejo-as moverem-se e escreverem letras no chão sem lhes tocarem....apenas com a tinta da sombra....tinta de ilusão.
Escrevem palavras quentes, e as folhas que acolhem de braços abertos tais palavras mudam de cor...e revestem-se do vestido do calor arregalando os olhos e, pela primeira vez, exprimem sentimentos com sons que atraiem o vento que dança com elas....
E as nuvens contemplam e, com a tristeza de nao poderem dançar também, e com a tristeza de não poderem receber tais palavras afectuosas das pedrinhas, derramam lágrimas....e o barulho de lágrimas e a tristeza patente pela cor das nuvens sufoca o arco-iris que, de forma paternalista, vem em seu auxilio, sem hesitar, demonstrando todas as suas cores luminosas de forma pura, distraindo-as e fazendo com que, como crianças, deixem de chorar...
Ambiente

Levantei-me.

Olhei em frente e, a custo, já que os meus olhos se recusavam a aceitar luz, consegui ver um enorme prado, com formas e cores incompletas, como se Deus, um dia, tivesse pegado nuns quantos lápis de cor e, a pensar que poucos humanos passassem por aquele espaço, tivesse apenas esboçado um cenário simples sem se preocupar com pormenores...
sem se preocupar com os detalhes normais com os quais nos habituámos...como os fios de erva que traçam o chão com a tinta do vento...como as rugas das árvores que contam as verdadeiras histórias aos nossos avôs...como a pequena espuma de água que lava o tapete de seixos...

aliás...depois da audácia de nos conceder subjectividade, melhor seria que nem tudo estivesse completo, para que pudessemos interpretar segundo a nossa maneira de ver a realidade, ou, ainda mais ousadamente, e porque não... conceder-nos a possibilidade de mudarmos o cenário conforme nos aprazasse...conforme a nossa imaginação nos estimulasse...

mas exagerámos e construimos destruição entre cenários idílicos que não podemos repor...ou poderíamos, se para isso houvesse motivação...

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